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Um Conto de Fé - parte 4 de 4

Foto do escritor: luís menna barretoluís menna barreto


Um homem ligado à cruz
Um Conto de Fé

Ele segurava na mão de Sil, que apertava forte a sua…

Quando ele perguntou a Sil, o que Sil estava fazendo antes de ele o ver, Sil não respondeu… Uma lágrima rolou pelo olho de Sil, em meio a um sorriso que fora fruto de muito esforço.

Ele olhou diretamente nos olhos azuis de Sil. E Sil sabia o que aquele olhar perguntava, mais do que as palavras poderiam perguntar. 

Sil, por muito tempo não escondeu sua indignação. Não entendia os porquês. Sentia simplesmente uma grande revolta consumir a si, de dentro pra fora. Sil não entendeu e não aceitou a doença. Queria que a mãe dele estivesse ali, que ela pudesse segurar a mão de seu companheiro. Sil sabia que ela diria as palavras certas e até mesmo o silêncio dela seria o certo. Mas a doença agiu nela de forma silenciosa, e roubou-a, como Sil dizia, de forma inesperada, deixando como legado a seu companheiro, o fardo de cuidar do pai, atacado antes que a mãe pela doença e, sem que houvesse explicação médica adequada, a doença recuou. Mas deixou o pai dele semi inválido, e, com a morte da mãe, coube ao companheiro de Sil cuidar do pai, porque desde muito tempo, sequer tinham notícias do irmão mais velho, desde a última vez em que se havia solto da prisão.

Foi um momento tenso de decisões. Eles haveriam de separar-se, ou ele teria de contar ao pai. E mesmo contando, talvez ainda assim, houvesse a separação. 

Foram dias de tensão para Sil. Mas sempre que Sil olhava pra ele, havia um sorriso e uma força nele, que Sil não sabia explicar. Ou, talvez, Sil já tivesse, há muito, atentado para a explicação, mas simplesmente não queria aceitar, porque não havia sentido. Era uma explicação que não se explicava.

Ao fim do velório da mãe, ele foi conversar com o pai. Normalmente, quando ele tinha que visitar o pai, ou ter conversas mais sérias, Sil deixava-o a um quarteirão de casa, e ia té um bar, onde o esperava, tomando algumas cervejas e lendo um livro. 

Seu pai estava sentado na cadeira de rodas, com olhar grave. Não havia derramado uma lágrima sequer. Manteve-se sério durante todo o velório e enterro. Ele sequer lembra de ter visto alguma vez, o pai chorar.

Sempre achou difícil sustentar o olhar de seu pai, que jamais deixava de olhar nos olhos de seu interlocutor. Muitas vezes tentou falar algo para o pai, e desistiu assim que o pai encarava-o.  Foram anos de angústia… mas não pode mais adiar. E já não queria guardar essa culpa. Não culpa pelo que era, pelo que sentia. Não queria guardar a culpa de não haver falado para seu pai.  Não sabia como dizer. Então, disse da única maneira que conseguiu, dito de uma vez, sem rodeios:

— Pai, eu tenho um companheiro. Moramos juntos há anos. Mamãe gostava dele. O senhor conhece-o. Já o viu algumas vezes… A verdade, a minha verdade, é eu sou homossexual.

Não conseguiu mais sustentar o olhar. Baixou os olhos. Esperou a reação do pai.

… sim, foram anos de angústia imaginando aquele momento. 

Mil vezes, pensou em como seria. Imaginou mil reações diferentes. Quando ainda morava com os pais, esteve preparado até mesmo para ser expulso de casa. Esperou a bofetada. Castigos. Esperou até mesmo ser negado. 

… mas, definitivamente, ele não estava preparado para a intensidade da reação que recebeu:

Como não ouviu nenhuma explosão ou acesso de ira do pai, levantou os olhos.

Pela primeira vez em sua vida, viu uma lágrima no rosto do pai. Em seguida, aquele velho em uma cadeira de rodas, que para ele sempre fora a melhor representação de impassividade, abriu os braços. No mesmo instante, muitas lágrimas inundaram-lhe o rosto e ele precipitou-se aos braços do pai, como sempre desejou faze-lo desde a infância. Sentiu os braços do pai a envolver-lhe. E, pela primeira vez, ouviu seu pai dizer-lhe aquela palavra:

— Obrigado.

Sentiu o pai suspirar como quem se livra de um enorme peso.

— Esperei minha vida inteira, que você sentisse que poderia contar-me… obrigado, filho…

… 

Naquele dia, quando foi procurar por Sil, não o encontrou no bar…

Foram alguns meses tranquilos, em que os três conviveram em harmonia e seu pai até mesmo jogava xadrez com Sil.

O pai morrera, finalmente, quase um ano depois da mãe. Porém, ele e Sil, não tiveram muito tempo.

Agora, no mesmo hospital, estavam de mãos dadas. 

Ambos sabiam, que seria ali, naquele momento, naquele quarto, os últimos instantes juntos, as últimas palavras. Era uma despedida.

Deitado, vítima da mesma doença que levou seus pais, segurava na mão de Sil, que apertava forte a sua…

Quando ele perguntou a Sil, o que Sil estava fazendo antes de entrar ali, Sil não respondeu. Uma lágrima rolou pelo olho de Sil, em meio a um sorriso que fora fruto de muito esforço.

Ele olhou diretamente nos olhos azuis de Sil. E Sil sabia o que aquele olhar perguntava, mais do que as palavras poderiam perguntar.

Sil queria contar-lhe muitas coisas… mas sabia que não havia tempo. Queria ter-lhe contado que naquele dia em que não estava no bar, entrou em uma igreja. Queria  também perguntar-lhe que milagre havia pedido anos atrás, na capela daquele mesmo hospital… 

Eram as últimas forças. Sil sabia que seriam as últimas palavras trocadas. Desde que descobriram a doença, ambos sabiam que chegaria aquele momento. Por muito tempo, pensou quais palavras seriam as certas para aquele instante último, da última troca de olhares, do último toque de mãos… 

Então, Sil apertou-lhe a mão muito mais forte. E disse, olhando nos olhos dele:

— Eu te aceito, Senhor Jesus, com todo meu coração, com toda a minha alma, como Senhor da minha vida, e da minha salvação…

Sil viu a lágrima rolar-lhe pelo rosto. Viu os olhos dele brilharem pela última vez. Viu-o expirar em paz.

Deus realizara em Sil, o milagre pelo qual ele sempre rezara, e o qual ele havia pedido há muitos anos, na capela daquele mesmo hospital.

Um Conto de Fé

Luís Menna Barreto, em 10 de fevereiro de 2018


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