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Um Conto de Fé - parte 3 de 4

Foto do escritor: luís menna barretoluís menna barreto

Atualizado: 25 de fev.


Havia algo de ironia naquilo tudo. 

Há menos de dois anos, ele estava ajoelhado na capela daquele mesmo hospital. Os médicos haviam chamado os familiares para dizer que não havia mais o que fazer pelo pai, e ele lembra que enquanto a mãe ficara no quarto, ele fora para a capela rezar. Lembra que Sil o acompanhara, de forma silenciosa e descrente, mas o tempo todo ficara lá, esperando por ele. 

Foram quase dois anos intensos demais. Mas havia alguma ironia.

O pai, de algum modo que os médicos explicaram apenas como “passou a responder aos medicamentos”, recuperou-se. Não para voltar ao que era. Reformou-se no exército, locomovia-se com dificuldade e mal andava alguns metros e sentia-se cansado, precisando repousar. Mas não morreu no hospital como previram. A mãe dele passou a ser incansável nos cuidados. Se antes dedicara a vida a cuidar dos filhos e criá-los, agora descobria-se em uma nova missão: cuidar do homem com quem dividiu sua vida.

Há quase dois anos, quando ele saiu da capela do hospital, junto com Sil, vira uma movimentação na porta do quarto onde o pai estava. Pensou que o havia perdido, sem  que tivesse tido a oportunidade de contar-lhe sobre si. Entrara na capela para rezar em busca de milagres e coragem. Então, a mãe apareceu na porta, virando a cabeça de um lado a outro, como que lhe procurando. E, quando ela o viu, ele percebeu o sorriso por entre a angústia do rosto da mãe, percebeu a lágrima que lhe descia lenta, sentiu o aperto de Sil na sua mão. E houve algo de diferente. Não pode ver, mas poderia jurar que a pele de sil estava arrepiada. Se a notícia fosse a pior, Sil entraria com ele. Mas, como ele ainda não havia contado, Sil apertou-lhe a mão e ele foi ao encontro da mãe. Sil olhou pra ele… depois para a capela, de onde acabaram de sair. Viu a cruz. O Cristo. E, por um momento, pareceu que Cristo realmente olhava para ele.

O pai, em menos de dez dias, tivera alta.

Mas em menos de um ano, chorara a perda da mãe. Não deu tempo, sequer, de pedir a Deus por sua saúde, como fizera pelo pai. A mãe fora dormir um dia, e simplesmente não acordara mais.

Sil, que desde aquele dia em que o vira rezar e, saindo da capela, receberam a melhora do pai dele, acompanhava-o, em silêncio, nos momentos em que ele rezava. Não rezava com ele. Mas o acompanhava. Não blasfemava mais. Sil vira-o velar a mãe. E Observou que tanto quanto na doença do pai, quanto ao lado do derradeiro leito da mãe, embora a dor natural, havia nele uma calma que Sil não entendia. Uma tranquilidade. Por muitas vezes, Sil achava que ele deveria revoltar-se. Que deveria brigar com Deus. O pai estava doente. A mãe, que cuidava tanto do pai, jazia no caixão ao seu lado. E, ainda assim, Sil via nele algo que parecia tranquilidade. Uma paz.

Sil simplesmente não sabia mais o que pensar sobre isso. E não conseguia esquecer o dia em que saíram da capela, no hospital, e sentiu o arrepio que lhe percorreu o corpo todo.

Sil, lembrava-se da apreensão que sentira. Da angústia quando ele perdeu a mãe. Não pela dor de perdê-la. Era algo que Sil sabia ser muito mais egoísta: era o medo de perder a ele! O pai dele precisava de cuidados. E Sil ouviu-o dizer, segurando as mãos do pai, naquela oportunidade:

— Pai, eu vou cuidar de você. Vai ficar tudo bem.

E tanto Sil quanto ele, sabiam, que algo mudaria. 

Ou ele contaria ao pai… ou não poderiam continuar juntos.

Mas a ironia não fora aquela situação toda de alguns meses atrás, com a morte da mãe antes do pai, o qual havia sido condenado pelos médicos… 

A ironia era isto, neste momento. Era Sil estar ali… justamente ali. E o motivo pelo qual estava ali, enquanto ele, com tamanha fé, não estava…


Luís Menna Barreto, em 21 de janeiro de 2018

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