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Um Conto de Fé - parte 1 de 4

Foto do escritor: luís menna barretoluís menna barreto

Atualizado: 11 de fev.

Sil estava alguns bancos atrás. Observava com paciência, embora achando desconfortáveis os bancos em madeira da pequena Capela no hospital.

Olhava pra ele. Não entendia como ele podia ficar horas ajoelhado, imóvel, repetindo as mesmas frases. 

“Se adiantasse alguma coisa, não haveriam pobres, doentes, ninguém passando nenhuma necessidade”, Sil dizia-lhe. Mas não adiantava. Todo os dias, ao acordar, via-o ajoelhar; todos os dias, antes de dormir, via-o ajoelhar. Sil sabia que nunca adiantava chama-lo antes que terminasse de passar pelas 59 contas de seu rosário. Mas dessa vez, ele estava ajoelhado há muito tempo. E era a terceira vez que iria terminar de passar todas as contas.

Quando ele terminou o rosário completo, tirou os joelhos do aparador de madeira, sentou-se pesadamente no banco e ficou olhando a imagem do Cristo pregado na cruz. Era uma imagem sempre intrigante para Sil, porque a impressão que tinha, era a de que o Cristo, pregado, tinha menos sofrimento no olhar, do que quem rezava. 

“Ele está pregado! Como espera que alguém pregado possa fazer algo por você?”, Sil dizia-lhe.

“Não blasfeme”, ele respondia, sempre, sem qualquer irritação. “Você deveria tentar. Se você pedir com fé, terá seu pedido atendido.”

“Se eu passar horas ajoelhado e rezando, vou levar horas a mais para conseguir o que quero, porque terão sido horas perdidas. Você sabe que eu não acredito.”

“Não importa! Peça!”, ele insistia.

“Como assim não importa”?

“Não importa que você não acredite. Ele acredita em você!"

Eram discussões infrutíferas. Sil, sem acreditar; ele, com uma fé inabalável.

Ele credita sua fé, na mãe, que o ensinou, desde pequeno, a rezar, agradecendo por tudo de bom que o dia havia trazido. Falava-lhe, sempre que somente pedisse algo depois de refletir muito… porque se fosse pedido de coração, Deus atenderia. E é preciso cuidado com o que se pede, porque Deus não volta atrás, dizia-lhe. O pai também acreditava em Deus. Não da mesma forma e com mesmo fervor da mãe. Era militar. Rígido. Acreditava em disciplina antes de tudo. Poucas vezes, vira o pai rezar. 

“É difícil ver o pai num hospital. Sempre foi tão forte, tão enérgico”, ele falou quando Sil aproximou-se.

Sil envolveu-lhe com o braço em sua cintura: 

“Eu imagino… Ainda mais em uma situação assim…”.

Ele sabia o que Sil queria dizer. Os médicos retiraram qualquer esperança. O pai não voltaria para casa. Disseram para despedir-se dele, aproveitar que ainda estava lúcido. Desde então, da reunião com os médicos, ali no hospital, ele fora para a capela. 

“Obrigado, Sil.” Ele falou.

“Pelo quê?”

“Por haver ficado o tempo todo comigo, enquanto eu rezava. Por não ter ficado falando que não adianta. Obrigado por estar comigo!”

"Você vai contar pra ele?”, Sil perguntou.

“Vou.”

“Então você realmente pensa que ele não voltará para casa?”

“Isso, só Deus Pode responder”. 

“Os médicos já disseram”, Sil devolveu-lhe.

Ele ficou em silêncio. Mas havia pensado: “Médicos não são Deus”. Preferiu não falar. Foi Sil quem falou novamente:

“Posso perguntar pelo que você estava rezando?”

“Por um milagre”. 

“Imaginei", Sil respondeu. 

Porém, Sil não imaginava sobre qual milagre ele estava falando.


Luís Menna Barreto, em 15 de dezembro de 2017

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