
Estávamos os 9 à mesa, esperando apenas o Antenor que seguidamente atrasava-se para reuniões de amigos como aquela. A garrafa de vinho recém havia sido aberta, conversa ainda era tímida e o silêncio ainda não havia sido definitivamente vencido.
Foi quando Camila, depois de percorrer a mesa com os olhos, declarou:
— Eu vejo Facebook de funerárias!
Primeiro, aquele silêncio! Uma afirmação dessas não é comum, cá entre nós!
— O quê? — Lu conseguiu perguntar, antes do inevitável…
Então, Camila reafirmou:
— Eu entro no Facebook para ver as postagens das funerárias!
E o inevitável aconteceu: todos nós oito, desatamos a rir.
Nesse ponto, se alguém me contasse a história, sem eu conhecer os personagens, eu imaginaria que a Camila era uma “velhinha hi tech”, e o jantar era da ala da geriatria! Eu lembro que via meu pai lendo o obituário dos jornais e, de vez em quando, ele comentava:
— Lá foi mais um…
E então ele falava de onde conhecia, ou quem era a pessoa. Ele comentava que era para nós, seus filhos, aproveitar a vida. Não era para se preocupar com a morte, porque ela sabia fazer seu trabalho, era muito eficiente. Não precisava da nossa ajuda. Dos 117 bilhões de pessoas que se estima que já viveram na Terra, tem-se notícia de que a morte só tenha tido necessidade de repetir o procedimento por 3 vezes, com Lázaro, com o filho da viúva Naim e com a filha do administrador da Sinagoga. Jesus ressuscitou estas três, mas mais tarde, a morte voltou e cumpriu sua missão. Não deixou o serviço por fazer. Até mesmo com Jesus a morte fora eficiente numa primeira tentativa, sendo, depois, vencida. Afinal, tratava-se do Filho de Deus, Senhor da Vida e da Morte! Então, que se saiba, com 117 bilhões de vidas, a morte somente teria falhado por 3 vezes: com Enoque e Elias, que foram levados para o céu sem morrer, e com a mãe de Jesus, que também fizera sua assunção ao céu nas mesmas condições imortais.
Cá entre nós, 3 pequeninas falhas da morte, em um universo de 117 bilhões de trabalhos realizados com sucesso, faz a morte receber o prêmio de maior eficiência do universo! A morte, pois, é quase 100% de eficiência. O que nos leva a pensar, que o serviço de funerária, é algo praticamente garantido, porque, aparentemente, não falta matéria prima! A morte tem dado conta de seu trabalho, não importa o quanto a demanda de nascimentos aumente. O máximo que aconteceu, foi que o prazo para o cumprimento do seu trabalho variou ao longo dos séculos. No começo, a morte até não era tão experiente assim… Como Deus não morria, ela ficava ali, entediada, sem trabalho… Daí, quando Deus cansou do marasmo e criou a vida, ela iniciou os trabalhos! No início, a morte ainda sem experiência, deixou muito a desejar e as idades avançavam muito. O próprio Adão, viveu 930 anos! E teve Cainã, com 910, Sete, com 912, Jarede com 962 e o maior adversário entre os que a morte venceu: Matusalém, com 969 anos vividos! Veja: 969! De lá para cá, a morte foi-se aperfeiçoando tanto, que na idade média já havia reduzido em 900 anos o tempo médio para realizar o seu trabalho! Chegou um momento em que a morte estava tão experiente, que a expectativa de vida era de pouco mais de 50 anos. Mas, como houve um enorme crescimento populacional, aumentando exponencialmente o trabalho, a morte teve de aumentar um pouco o prazo médio, e temos chegado em 75 anos de expectativa de vida. Um ou outro, ainda consegue ficar em desvio padrão, e encostam nos 100 anos. Mas, chegando aos 100, soa um alarme e a morte coloca na fila preferencial, vindo logo resolver o problema, dando especial atendimento. Fora isso, tem-se notícia, apenas, de Elizabeth II, Rainha da Inglaterra, que teria oferecido muita resistência, e D. Goretti, que mora na Marambaia, em Belém do Pará, que, ao que parece, tem colocado a morte pra correr!
Funerária é, pois, um excelente negócio. Ou tu já viste funerária falir?
Diferente, inclusive, de vários outros negócios, em que muitas vezes o dono e sua família, acabam por consumir muito dos produtos, diminuindo os lucros, os donos de funerária não fazem qualquer questão de consumir o serviço e produto que vendem!
Com toda essa demanda, os obituários sempre ocuparam espaços generosos em jornais! Era praticamente a coluna social da terceira idade! Havia, inclusive, jornais sustentados quase que exclusivamente pelos obituários! Havia jornalistas especializados em escrever obituários!
Então, vieram as redes sociais, as agências de notícias digitais, os jornais digitais, e os obituários foram perdendo espaço e, mais que isso, perdendo o charme. Afinal, com redes sociais, a própria família cuida do anúncio da morte em suas contas de Instagram, Facebook, WhatsApp…
Embora o produto morte não tenha tido muita repaginação desde Adão, porque desde lá, as pessoas morrem, os órgãos param de funcionar e o prazo de validade do morto até o sepultamento, continua relativamente igual; o fato é que as funerárias tem acompanhado os tempos e criaram páginas nas redes sociais. Daí, que em vez daquele obituário com número limitado de palavras e apenas uma fotografia em preto e branco, algumas funerárias já investem em designers gráficos para fazer vídeos dos mortos de modo a que pareçam mais "instagramáveis" do que quando vivos!
Mas o fato é que com tudo isso, os obituários digitais não tem o mesmo apelo e charme dos antigos escritos em jornais, e não tem atraído grande público. E também há o fato de que o público do mundo digital ainda é novo, ainda não atingiu a idade que faz com que tenhamos certa curiosidade sobre obituários.
Poucos idosos conseguiram uma migração segura do jornal de papel para o mundo digital. E os nativos digitais ainda não são consumidores de obituários eletrônicos, nem são os maiores consumidores do produto morte!
Pois foi daí, o espanto de todos os demais oito componentes da mesa de jantar, quando a Camila, do alto de seus 22 anos, em um momento de inexplicável e voluntária confissão, antes mesmo que a garrafa de vinho estivesse pela metade, solenemente declarou que gostava de olhar Facebook de funerárias. Passamos muitos minutos rindo, aquelas risadas gostosas, coletivas, em que quase dói a barriga e lágrimas brotam do canto do olho.
— Ei, Camila, quando o Antenor chegar, tu tens que contar isso de novo! — Lu falou com alguma dificuldade entre risadas!
— Fora de forma do jeito que ele sempre é, vai suar de rir. — Eu falei.
— Não achei ele tão fora de forma. Vi uma foto dele no Facebook, ontem. — Disse a Camila, sorrindo.
E todos nós paramos de rir.
Luís Menna Barreto, em 9 de fevereiro de 2025
“Coluna social da geriatria.”
😅😂🤣