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Contículo de Uma Pequena Tragédia

Foto do escritor: luís menna barretoluís menna barreto

Atualizado: 21 de fev.

Uma Pequena Tragédia - mulher olhando paredes serem demolidas
Mulher olhando paredes serem destruídas

E deu-se uma pequena tragédia… 

Ela definhava a olhos vistos, sentada na calçada, em frente ao quarto que alugara por tanto tempo.

Muitos pensaram, dela, uma indigente. Quando fora despejada, porque o novo proprietário ali construiria um novo prédio comercial, demolindo o pequeno sobrado de quartos velhos sem janelas, ela se agarrou no cobertor que ficava sempre em sua cama, enrolou-se e simplesmente sentou na calçada do outro lado da rua… e passou ali, vendo o sobrado ser demolido…

As pessoas desviavam dela na calçada… Uma ou outra, largava moedas na barra do cobertor, à frente dela, para o quê, ela olhava com indiferença.

Morara muitos anos ali. Era bastante reclusa. E via o mundo, fora do trabalho de dez horas na pequena lanchonete onde fazia hambúrgueres e cachorros quentes, pela tela do celular. Horas e horas, falando ao telefone, ou teclando em aplicativos de conversas. E suas testemunhas, eram aquelas velhas paredes que davam espaço para sua cama, o guarda roupas e um pequeno frigobar. Da sua vida, sabiam as paredes! Foram confidentes, ouvintes, foram voyeurs de concreto.

Seu mundo particular, onde era ela mesma, eram aquelas quatro paredes. Ao trabalho, ia como um autômato: não conversava, não ria, não interagia. Fazia os hambúrgueres, conforme os pedidos chegavam, em uma eficiência quase mecânica. Em mais de dez anos na mesma pequena lanchonete, mal sabiam seu nome. 

… mas aquelas paredes.. ah!, sabiam seus segredos… viram a intimidade das fotos que enviava… viram as expressões que usava. Viram o suor de seu corpo em conversas que seriam impublicáveis….

Aquelas paredes sabiam e poderiam retratar toda sua vida. 

Então, vendo as paredes serem demolidas, nenhuma outra parede buscou. Apenas resignou-se a sentar no outro lado da rua. Por dias, não fora sequer trabalhar.

Permaneceu ali.

Era uma corrida… uma prova de resistência. Quem pereceria…? Ela, ou as paredes que lhe eram o relicário de si própria…? Olhava sem expressão. E seria impossível decifrar seu olhar e seu coração. Talvez, somente as paredes que se acabavam a marretadas, pudessem sabê-la.

Enfim, a última marretada fora brandida… e desferida! 

As paredes, enfim tombaram… antes dela!

Largou o cobertor. Sentiu-se livre! Decidida a viver uma nova vida. Não fora nenhum sentimento de apego que a mantivera ali, vendo as paredes serem demolidas. Quis, apenas, ter a certeza de que seu passado fora apagado. 

Simplesmente levantou-se e começou a caminhar. Decidida a encontrar um lugar com menos paredes, e mais janelas.


Luís Menna Barreto, em 2 de maio de 2018

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